A ementa da
supramencionada reforma expressa que esta altera as leis 9.307/96 e
6.404/76, para, em suma: ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem;
regulamentar sobre a escolha dos árbitros; prever a interrupção da
prescrição pela instituição da arbitragem; estabelecer sobre a concessão
de tutelas de urgência; dispor sobre a carta arbitral e a sentença
arbitral e revogar dispositivos da lei 9.307/96.
Desse modo,
importante tecer breves comentários quanto às principais inovações e
alterações com o advento da reforma da lei de arbitragem.
Primeiramente,
quando se menciona que um dos objetivos da modificação da lei
consistiria em ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem, poder-se-ia
afirmar que esse alargamento seria viabilizado pela regulamentação da
aplicação da arbitragem em litígios em que figura como parte a
Administração Pública Direta e Indireta.
Para efetivar o mencionado, houve o acréscimo de dois parágrafos ao artigo 1º da lei 9.307 de 1996 dispondo que "§ 1o A
administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da
arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais
disponíveis", e "§ 2o A autoridade ou o órgão
competente da administração pública direta para a celebração de
convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou
transações".
Ainda sobre este
aspecto, houve a inclusão do § 3º ao Art. 2º da lei 9.307 de 1996 para
determinar que a arbitragem que envolva a Administração Pública será
sempre de direito (portanto, não por equidade) e respeitará o princípio
da publicidade.
É de salutar
importância mencionar que a participação da Administração Pública em
arbitragens, embora enquanto não regulamentada, já era aceitável e
pacífica, posto que diversas leis ordinárias disciplinavam essa
possibilidade, como por exemplo a lei dos Portos (art. 61, § 1º da lei 12.815/13),
a Lei das Concessões (art. 23-A da Lei nº 8.987/1995) e a Lei das
Parcerias Público-Privadas (art. 11, III, da Lei 11.079/2004), além dos
precedentes dos Tribunais Superiores. Vejamos:
"INCORPORAÇÃO,
BENS E DIREITOS DAS EMPRESAS ORGANIZAÇÃO LAGE E DO ESPOLIO DE HENRIQUE
LAGE. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA DE IRRECORRIBILIDADE. JUROS DA MORA.
CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. LEGALIDADE DO JUÍZO ARBITRAL, QUE O NOSSO
DIREITO SEMPRE ADMITIU E CONSAGROU, ATÉ MESMO NAS CAUSAS CONTRA A
FAZENDA. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2.
LEGITIMIDADE DA CLÁUSULA DE IRRECORRIBILIDADE DE SENTENÇA ARBITRAL, QUE
NÃO OFENDE A NORMA CONSTITUCIONAL. 3. JUROS DE MORA CONCEDIDOS, PELO
ACÓRDÃO AGRAVADO, NA FORMA DA LEI, OU SEJA, A PARTIR DA PROPOSITURA DA
AÇÃO. RAZOAVEL INTERPRETAÇÃO DA SITUAÇÃO DOS AUTOS E DA LEI N. 4.414, DE
1964. 4. CORREÇÃO MONETÁRIA CONCEDIDA, PELO TRIBUNAL A QUO, A PARTIR DA
PUBLICAÇÃO DA LEI N. 4.686, DE 21.6.65. DECISÃO CORRETA. 5. AGRAVO DE
INSTRUMENTO A QUE SE NEGOU PROVIMENTO". (STF - AI 52181 / GB – GUANABARA
– RELATOR MINISTRO BILAC PINTO. Data do Julgamento: 14/11/73). Grifo
nosso.
"PROCESSO
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO. ARBITRAGEM. VINCULAÇÃO AO EDITAL.
CLÁUSULA DE FORO. COMPROMISSO ARBITRAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO FINANCEIRO
DO CONTRATO. POSSIBILIDADE. 1. A fundamentação deficiente quanto à
alegada violação de dispositivo legal impede o conhecimento do recurso.
Incidência da Súmula 284/STF. 2. O reexame de fatos e provas em recurso
especial é inadmissível. 3. A ausência de decisão sobre os dispositivos
legais supostamente violados não obstante a interposição de embargos de
declaração, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da
Súmula 211/STJ. 4. Não merece ser conhecido o recurso especial que deixa
de impugnar fundamento suficiente, por si só, para manter a conclusão
do julgado. Inteligência da Súmula 283 do STF. 5. Tanto a
doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não
existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público,
notadamente pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas
as cláusulas compromissórias previstas em editais convocatórios de
licitação e contratos. 6. O fato de não haver previsão da
arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as
partes não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente. 7. A
previsão do juízo arbitral, em vez do foro da sede da administração
(jurisdição estatal), para a solução de determinada controvérsia, não
vulnera o conteúdo ou as regras do certame. 8. A cláusula de eleição de
foro não é incompatível com o juízo arbitral, pois o âmbito de
abrangência pode ser distinto, havendo necessidade de atuação do Poder
Judiciário, por exemplo, para a concessão de medidas de urgência;
execução da sentença arbitral; instituição da arbitragem quando uma das
partes não a aceita de forma amigável. 9. A controvérsia estabelecida
entre as partes – manutenção do equilíbrio econômico financeiro do
contrato – é de caráter eminentemente patrimonial e disponível, tanto
assim que as partes poderiam tê-la solucionado diretamente, sem
intervenção tanto da jurisdição estatal, como do juízo arbitral. 10. A
submissão da controvérsia ao juízo arbitral foi um ato voluntário da
concessionária. Nesse contexto, sua atitude posterior, visando à
impugnação desse ato, beira às raias da má-fé, além de ser prejudicial
ao próprio interesse público de ver resolvido o litígio de maneira mais
célere. 11. Firmado o compromisso, é o Tribunal arbitral que deve
solucionar a controvérsia. 12. Recurso especial não provido". (STJ -
RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006/0038111-2), RELATORA: MINISTRA
NANCY ANDRIGHI, Data do Julgamento: 20/10/2011). Grifo nosso.
"ADMINISTRATIVO.
MANDADO DE SEGURANÇA. PERMISSÃO DE ÁREA PORTUÁRIA. CELEBRAÇÃO DE
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. JUÍZO ARBITRAL. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA.
POSSIBILIDADE. ATENTADO. 1. A sociedade de economia mista, quando engendra vínculo de natureza disponível,
encartado na mesma cláusula compromissória de submissão do litígio ao
Juízo Arbitral, não pode pretender exercer poderes de supremacia
contratual previsto na Lei 8.666/93. 2. A decisão judicial que confere
eficácia à cláusula compromissória e julga extinto o processo pelo
"compromisso arbitral", se desrespeitada pela edição de Portaria que
eclipsa a medida afastada pelo ato jurisdicional, caracteriza a figura
do "atentado" (art. 880 do CPC) (...) 5. Questão gravitante sobre ser
possível o juízo arbitral em contrato administrativo, posto
relacionar-se a direitos indisponíveis. 6. A doutrina do tema sustenta a legalidade da submissão do Poder Público ao juízo arbitral, calcado em precedente do E. STF,
in litteris: "Esse fenômeno, até certo ponto paradoxal, pode encontrar
inúmeras explicações, e uma delas pode ser o erro, muito comum de
relacionar a indisponibilidade de direitos a tudo quanto se puder
associar, ainda que ligeiramente, à Administração." Um pesquisador
atento e diligente poderá facilmente verificar que não existe qualquer razão que inviabilize o uso dos tribunais arbitrais por agentes do Estado. Aliás, os anais do STF dão conta de precedente muito expressivo, conhecido como 'caso Lage', no qual a própria União submeteu-se a um juízo arbitral para
resolver questão pendente com a Organização Lage, constituída de
empresas privadas que se dedicassem a navegação, estaleiros e portos. A
decisão nesse caso unanimemente proferida pelo Plenário do STF é de
extrema importância porque reconheceu especificamente 'a legalidade do
juízo arbitral, que o nosso direito sempre admitiu e consagrou, até
mesmo nas causas contra a Fazenda.' Esse acórdão encampou a tese
defendida em parecer da lavra do eminente Castro Nunes e fez honra a
acórdão anterior, relatado pela autorizada pena do Min, Amaral Santos. Não
só o uso da arbitragem não é defeso aos agentes da administração, como,
antes é recomendável, posto que privilegia o interesse público."
(in "Da Arbitrabilidade de Litígios Envolvendo Sociedades de Economia
Mista e da Interpretação de Cláusula Compromissória", publicado na
Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ,
Editora Revista dos Tribunais, Ano 5, outubro - dezembro de 2002,
coordenada por Arnold Wald, esclarece às páginas 398/399).7. Deveras,
não é qualquer direito público sindicável na via arbitral, mas somente
aqueles cognominados como "disponíveis", porquanto de natureza
contratual ou privada (...)". (STJ - MS 11308 / DF 2005/0212763-0 - Ministro LUIZ FUX – Data do Julgamento 09/04/2008). Grifos nossos.
Outra alteração
realizada na lei de Arbitragem é aquela tocante à lista de árbitros,
posto que foi modificado o parágrafo 4º do artigo 13 da mencionada lei,
de modo que “As partes, de comum acordo, poderão afastar a aplicação
de dispositivo do regulamento do órgão arbitral institucional ou
entidade especializada que limite a escolha do árbitro único, coárbitro
ou presidente do tribunal à respectiva lista de árbitros, autorizado o
controle da escolha pelos órgãos competentes da instituição, sendo que,
nos casos de impasse e arbitragem multiparte, deverá ser observado o que
dispuser o regulamento aplicável”.
Isso revela a
faculdade que as partes possuem em escolher outros árbitros que não os
credenciados pelo órgão arbitral institucional ou entidade
especializada, privilegiando a autonomia das partes.
Quanto à
interrupção da prescrição, tal inovação vem para dirimir a questão, não
deixando margem a diferentes interpretações, de modo que as alterações
realizadas no artigo 19 da lei em comento, as quais acresceram dois
parágrafos ao referido artigo, regulamentam que a instituição da
arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento
de sua instauração.
A sentença parcial
encontrou sua regulamentação nas alterações realizadas na lei de
Arbitragem, já que o parágrafo 1º do artigo 23 da mencionada lei
expressa a possibilidade de ser proferida sentença parcial pelos
árbitros.
Outra interessante
reforma realizada na arbitragem se refere à extensão de determinados
prazos, os quais podem, inclusive, ser acordados entre as partes. O
artigo 30 deixa evidente essa possibilidade tanto em seu caput, quanto
em seu parágrafo único, ao expressar que: “Art. 30. No prazo de 05
(cinco) dias, a contar do recebimento da notificação ou da ciência
pessoal da sentença arbitral, salvo se outro prazo for acordado entre as
partes, a parte interessada, mediante comunicação à outra parte, poderá
solicitar ao árbitro ou ao tribunal arbitral que (...). Parágrafo
único. O árbitro ou o tribunal arbitral decidirá no prazo de 10 (dez)
dias ou em prazo acordado com as partes, aditará a sentença arbitral e
notificará as partes na forma do art. 29”.
A lei 13.129/15, em
comento, altera o art. 32 em seu inciso I, para admitir a nulidade da
sentença arbitral não apenas quando for nulo o compromisso arbitral, mas
também quando for nula a convenção de arbitragem, que inclui a cláusula
compromissória.
Além do mencionado acréscimo do parágrafo 4º ao artigo 33, este em seu caput alterou o termo “decretação da nulidade da sentença arbitral” para “declaração de nulidade da sentença arbitral”. Ademais, alterou o seu parágrafo 3º expressando que “a
declaração de nulidade da sentença arbitral também poderá ser arguida
mediante impugnação, conforme o art. 475-L e seguintes da Lei no 5.869,
de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), se houver execução
judicial”.
Cumpre acrescentar que o artigo 1.061 do CPC (lei 13.105/15) na sequência, quanto à redação do caput do mencionado artigo 33 da Lei de Arbitragem, prevê a seguinte redação: “§
3o A decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser
requerida na impugnação ao cumprimento da sentença, nos termos dos arts.
525 e seguintes do Código de Processo Civil, se houver execução
judicial.”
As alterações,
ainda, serviram para algumas correções, tais como aquelas expressas nos
artigos 35 e 39 da lei de Arbitragem em que se reconheceu a competência
do STJ e não mais do STF para homologar a sentença arbitral estrangeira.
No Capítulo IV-A houve a previsão de que as partes podem requerer tutelas de urgência, antes de instituída a arbitragem.
Expressa o parágrafo único do artigo 22-A que “Cessa
a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não
requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias,
contado da data de efetivação da respectiva decisão”.
Explica, ainda, o
art. 22-B que instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter,
modificar ou revogar a medida de urgência concedida pelo Poder
Judiciário. Todavia, se já estando instituída a arbitragem, a medida de
urgência deverá ser requerida diretamente aos árbitros.
O Capítulo IV-B,
com seu artigo 22-C, regulamentou a Carta Arbitral, que consiste em uma
carta expedida pelo árbitro ou pelo tribunal arbitral para que o órgão
jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de
sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro.
Sabe-se que a carta
arbitral é uma importante forma de interlocução entre o Judiciário e o
Juízo Arbitral. Assim, será expedido um instrumento que facilitará a
realização de medidas coercitivas requeridas pelos árbitros ao
Judiciário.
Sabe-se que o
Código de Processo Civil (lei 13.105/15) trouxe ampla regulamentação
sobre o tema, ao dispor sobre a carta arbitral nos artigos 237, inciso
IV e 260 § 3º. Outrossim, dispôs que a carta arbitral seria categoria de
cooperação jurisdicional entre os órgãos (art. 69, § 1º).
A lei 13.129/15, em
comento, fortaleceu a utilização da arbitragem nos conflitos
societários, acarretando mudanças na lei 6.404/76 que passou a vigorar
acrescida do art. 136-A na Subseção “Direito de Retirada” da Seção III
do Capítulo XI: “Art. 136-A. A aprovação da inserção de convenção de
arbitragem no estatuto social, observado o quórum do art. 136, obriga a
todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de
retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos
termos do art. 45. § 1o A convenção somente terá eficácia após o
decurso do prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação da ata da
assembleia geral que a aprovou. § 2o O direito de retirada previsto no
caput não será aplicável: I - caso a inclusão da convenção de arbitragem
no estatuto social represente condição para que os valores mobiliários
de emissão da companhia sejam admitidos à negociação em segmento de
listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que
exija dispersão acionária mínima de 25% (vinte e cinco por cento) das
ações de cada espécie ou classe; II - caso a inclusão da convenção de
arbitragem seja efetuada no estatuto social de companhia aberta cujas
ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos das
alíneas “a” e “b” do inciso II do art. 137 desta Lei”.
Com relação às revogações, além das já mencionadas, revogou-se o parágrafo 4º do artigo 22, que expressava: “§
4º Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas
coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do
Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a
causa”. Isso se deu, portanto, pela possibilidade de se pleitear a concessão de medida de urgência (artigos 22-A e 22-B).
É significativa e
importante a reforma da lei de Arbitragem, a qual deve ser interpretada
em conjunto com a recente reforma do Código de Processo Civil.
_________________
*Elias Marques de Medeiros Neto
é Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Pós-doutorado em Direito
Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
*Natalia Ruiz Ribeiro é especialista em Direito pela EPD. Bacharel em Direito pela Unisanta.
*Carolina de Souza Tuon é graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
FONTE: Site MIGALHAS