Felipe Moraes
Lei entra em vigor após decorridos cento e oitenta dias de sua publicação oficial.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2016
FONTE: MIGALHAS
Em
vias de encerrar o ano de 2015, é possível afirmar que o Ano Novo
começará com um inovador arcabouço jurídico que disciplinará a prática
da mediação no Brasil.
Acaba de entrar em vigor a Lei Brasileira de Mediação, 13.140, de 26 de junho de 2015. O artigo 47 do referido dispositivo prevê que a "(...) Lei entra em vigor após decorridos cento e oitenta dias de sua publicação oficial." Tendo em vista que a publicação ocorreu em 29 de junho de 2015, acaba de entrar em vigor esse importante diploma legal.
É certo que a lei
disciplina importantes aspectos relacionados à pratica da mediação no
país, especialmente consolidando um ambiente ainda mais propício para o
desenvolvimento desse importante instituto.
Em síntese, a Lei
de Mediação disciplinou: i) o procedimento de mediação prevendo
expressamente alguns dos consagrados princípios norteadores do
instituto; ii) a prática da mediação judicial; iii) a prática da
mediação extrajudicial; e iv) finalmente e não menos importante, a
possibilidade de utilização da mediação em conflitos envolvendo a
administração pública.
A mediação é um
método de solução de conflitos que conta com a atuação de um terceiro
(Mediador), independente e imparcial, o qual possui atuação orientada a
viabilizar e aperfeiçoar a comunicação entre as partes. Por meio dessa
atuação do mediador, é possível que as partes resolvam consensualmente a
controvérsia.
Seguramente esse
mecanismo possui enorme espaço para utilização, considerando o número de
processos que chegam diuturnamente aos Tribunais brasileiros. Mesmo em
relação às controvérsias de média e de alta complexidade, que atualmente
são resolvidas por arbitragem, o espaço para utilização é muito
representativo, considerando que a mediação é mais rápida do que a
arbitragem e que pode ser resolvida menor dispêndio de custas.
A título de
exemplo, uma mediação extrajudicial institucional (administrada por uma
Câmara) entre duas empresas, em que a matéria envolvida alcance cifras
milionárias, pode ser resolvida por aproximadamente R$ 10.000,00 (dez
mil reais) para cada parte, consideradas as custas da Câmara e os
honorários do mediador. O valor estimado é consideravelmente inferior ao
que se pratica na maior parte das arbitragens1.
I – Os princípios norteadores da mediação
A previsão
expressa de princípios amplamente consagrados pela doutrina e prática da
mediação no Brasil, sem sombra de dúvidas foi uma importante disciplina
trazida pela referida lei, quer pelo caráter pedagógico, ou pela
concepção de regras expressas que contribuirão para a utilização do
instituto.
Dentre os
princípios que deverão orientar a mediação, estão o da imparcialidade do
mediador; o da isonomia entre as partes; o da autonomia de vontade das
partes; o da confidencialidade; e o da boa-fé.
Ao disciplinar os
referidos princípios, a lei, orientada pela boa-fé e pela autonomia da
vontade das partes, prevê, em seu art. 2o, § 1o que: "Na hipótese de existir previsão contratual de cláusula de mediação, as partes deverão comparecer à primeira reunião de mediação".
Espera-se que essa disposição contribua para a mudança cultural
relacionada à forma de resolução de conflitos no Brasil. Almeja-se que
as partes desenvolvam a salutar prática de utilização prévia da mediação
antes de iniciar uma arbitragem ou um processo judicial.
Outro importante
princípio previsto expressamente pela lei é o da confidencialidade. É
fundamental que se implemente mecanismos que assegurem às partes que
elas possam revelar ao Mediador, de maneira mais ampla possível, a sua
percepção sobre o real conflito em questão. Isso somente ocorrerá se as
partes tiverem segurança de que o que eventualmente for dito ao mediador
não será prejudicial em caso de futuro processo judicial ou arbitral.
O art. 7º afasta
parte dessa preocupação ao disciplinar que o mediador não poderá atuar
como árbitro ou como testemunha em processos arbitrais ou judiciais
relacionados à conflitos em que tenha atuado como mediador. Essa
previsão legal confere maior segurança e efetividade ao procedimento de
mediação.
II – O procedimento de mediação
Em relação ao
procedimento de mediação o legislador optou por disciplinar
conjuntamente parte do procedimento comum à qualquer tipo de mediação,
seja ela judicial ou extrajudicial.
Nesse sentido,
definiu, por exemplo, que a mediação considera-se instituída na data em
que for marcada a primeira reunião de mediação. Sem dúvidas fixar um
critério para, formalmente, considerar como instituída contribuirá para
melhor organização prática do procedimento e para comprovar a submissão
prévia ao instituto. A lei disciplinou, ainda, que o prazo prescricional
ficará suspenso enquanto transcorrer o procedimento de mediação, no
intuito de conferir maior segurança jurídica aos que utilizarem o
instituto.
O legislador
disciplinou que mesmo diante da existência de processo judicial ou
arbitral em curso, as partes poderão submeter o conflito à mediação,
hipótese em que deverão requerer ao juiz ou ao árbitro a suspensão do
processo por prazo suficiente para resolução consensual. Nesse aspecto
seria melhor conferir mais flexibilidade às partes, permitindo, caso
fosse do interesse de todas, o prosseguimento de ambos (procedimento de
mediação e processo judicial ou arbitral), ainda que a hipótese seja
exceção. Por outro lado, ao disciplinar as medidas de urgência,
definiu-se que a suspensão do processo não obsta a concessão, pelo juiz
ou pelo árbitro, das referidas medidas.
A prática do
caucus, ou das reuniões privadas com cada uma das partes, foi observada e
autorizada expressamente pela lei, ao mencionar que no desempenho de
suas funções o mediador poderá se reunir com as partes, em conjunto ou
separadamente. Novamente o legislador acertou ao conferir flexibilidade
para que o mediador aplique essa relevante técnica quando entender
necessário.
Ainda em relação
ao caucus, ao disciplinar o sigilo do procedimento, foi conferida
atenção específica às informações reveladas pelas partes durante as
reuniões privadas, ficando estabelecido que "Será confidencial a
informação prestada por uma parte em sessão privada, não podendo o
mediador revelá-la às demais, exceto se expressamente autorizado".
Notadamente essa regra confere segurança às partes e, consequentemente,
efetividade à técnica do caucus.
Via de regra o
procedimento de mediação continuará sendo sigiloso, em consonância com a
prática nacional e internacional. Essa regra cria o ambiente necessário
para que a mediação possa transcorrer adequadamente e para que as
partes sintam-se confortáveis com o instituto. Contudo, o legislador
previu determinadas exceções ao sigilo que, em síntese, podem ser
reunidas entre as seguintes hipóteses: i) de opção das partes, mediante
acordo, para que o procedimento não transcorra em sigilo; ii) quando a
divulgação for exigida por lei; ou ainda iii) quando necessária para o
cumprimento de acordo obtido pela mediação.
III – A disciplina da mediação judicial
Contribuição
oportuna e absolutamente relevante trazida pela lei foi a disciplina da
mediação judicial – e do respectivo procedimento –, entendida como
aquela que será realizada no curso dos processos judiciais ou em fase
pré-processual (judicial).
Em relação à
mediação judicial, a lei inicialmente estabelece os critérios para a
atuação do mediador. Essencialmente o profissional a ser indicado deverá
atender aos seguintes requisitos: i) ser capaz (capacidade civil); ii)
ser graduado há pelo menos 2 (dois) anos em curso de ensino superior em
instituição reconhecida pelo Ministério da Educação; iii) ter obtido
capacitação reconhecida pela Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM ou pelos tribunais, nos termos
dos requisitos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo
Ministério da Justiça.
Aparentemente os
critérios parecem ser adequados para definir o perfil necessário para
atuação do mediador nos procedimentos judiciais. Contudo, registra-se
que possivelmente alguns mediadores graduados em instituições de ensino
no exterior, mesmo que com larga experiência em mediações, terão certa
dificuldade em comprovar um dos requisitos caso a instituição de ensino
onde obteve a graduação não seja reconhecida pelo Governo brasileiro.
Ainda em relação
aos critérios para atuação como mediador nos procedimentos judiciais é
importante ressaltar que os critérios são diferentes daqueles previstos
para atuação em mediações extrajudiciais. Nos procedimentos
extrajudiciais há uma flexibilidade maior para que as partes escolham o
profissional de sua confiança.
Em relação à
remuneração dos mediadores judiciais a lei estabelece que será fixada
pelo Tribunal e custeada pelas partes. Por meio de artigo apartado, o
legislador estipulou que "aos necessitados será assegurada a gratuidade da mediação".
Talvez a redação nesse dispositivo pudesse ter sido mais clara, porém,
entende-se que a interpretação a ser feita é a de que nesses casos o
mediador será remunerado pelo Estado.
Outra
peculiaridade da mediação judicial é que os mediadores não estarão
sujeitos à aceitação prévia pelas partes, como ocorre nos procedimentos
extrajudiciais, nos termos do art. 25.
Ainda em relação à
mediação judicial, fixou-se o prazo de 60 (sessenta) dias, contados da
primeira sessão de mediação, para a conclusão do procedimento (mediação
judicial), facultado às partes, de comum acordo, solicitar prorrogação.
Caso as partes resolvam a controvérsia por acordo, elas poderão requerer a homologação por sentença, o que é recomendável.
IV – A disciplina da mediação extrajudicial
O legislador
buscou disciplinar alguns aspectos relacionados à pratica da mediação
extrajudicial, tais como prazos, formas de comunicações e determinados
requisitos para sua utilização. Certamente o carácter pedagógico da lei
não pode ser desprezado, porém, especificidades como prazos relacionados
ao procedimento extrajudicial, aparentemente, não deveriam ter sido
objeto de disciplina legal. De toda forma, uma vez que a mediação
extrajudicial possui fundamento na autonomia da vontade das partes,
deve-se entender que tais especificidades poderão ser alteradas
consensualmente.
A título de
exemplo, o artigo 22 estabelece requisitos mínimos para previsão
contratual de mediação, e, no parágrafo primeiro, prevê que tais
requisitos podem ser supridos pela "indicação de regulamento,
publicado por instituição idônea prestadora de serviços de mediação, no
qual constem critérios claros para a escolha do mediador e realização da
primeira reunião de mediação".
Aparentemente o
legislador almejou resolver importante debate que existia em relação aos
efeitos de prazos contratuais fixados para tentativas de resolução
prévia dos conflitos por mediação. O art. 23, prevê que nesses casos "o
árbitro ou o juiz suspenderá o curso da arbitragem ou da ação pelo
prazo previamente acordado ou até o implemento dessa condição",
desde que as partes tenham assumido o compromisso de não iniciar
procedimento arbitral ou judicial durante determinado prazo ou até o
implemento de eventuais condições.
Novamente as
medidas de urgência figuraram como exceção à regra mencionada, ao
estabelecer que o conteúdo do referido dispositivo não se aplica a essas
medidas de urgência, que poderão ser solicitadas previamente ao Poder
Judiciário.
V – A possibilidade de utilização da mediação pela administração pública
Seguramente a
maior inovação disciplinada pela Lei de Mediação é a possibilidade
expressa de utilização pela Administração Pública direta e indireta.
Dada a relevância do tema, optou-se por subdividir as matérias abordadas
no presente artigo de forma que esse item será objeto de trabalho
específico a ser publicado em breve.
VI – Considerações finais
Começará a ser
aplicado um novo sistema de solução de conflitos no Brasil, introduzido
por meio das alterações na Lei de Arbitragem (em vigor); pela concepção
do Novo Código de Processo Civil (ainda em período de vacatio legis); e,
especialmente, pela Lei de Mediação.
O referido
diploma legal cumpre o importante papel pedagógico e almeja a necessária
mudança cultural na forma de resolução de conflitos no Brasil. Como
toda nova norma jurídica, será imprescindível compreende-la para que
seja corretamente aplicada pelos árbitros e juízes.
Certamente o
início de vigência da Lei de Mediação, 13.140/15, contribuirá para o
desenvolvimento do instituto no Brasil. Espera-se, assim como ocorreu
com a arbitragem após a vigência da lei 9.307/96, que no futuro breve a mediação desponte como o método mais adequado para a solução eficiente de determinadas controvérsias.
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1 Valor estimado com base no Regulamento de Mediação e na Tabela de Custas da CAMARB, disponíveis no site www.camarb.com.br.
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*Felipe Moraes é secretário geral da CAMARB – Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil.