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quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Lei de Arbitragem não precisa das alterações propostas pelo PL 3293/21

 Arbitragem

Projeto é totalmente desamparado de fundamento técnico que não deve ser agasalhado pelo Legislativo

 Sala de arbitragem. Crédito: Divulgação/CAM-CCBC

Os números do Poder Judiciário do Brasil sempre causam espanto, seja aos brasileiros, seja aos estrangeiros. Afinal, são 80 milhões de processos em tramitação nos tribunais do país, conforme aponta o Anuário da Justiça de 2022, da Editora Conjur. Em 2021 ingressaram no Judiciário 27.292.668 novos processos, foram julgados 26.063.660 e há um acervo, em tramitação, pendente de julgamento, de 72.816.413 ações, de acordo com as informações do mesmo Anuário.

Ainda são apresentados os dados para a obtenção da primeira decisão, em primeiro grau de jurisdição, em um processo judicial, cuja conclusão, no que se refere apenas à Justiça Estadual, é a seguinte: “o prazo médio entre o protocolo de uma ação e a decisão final de um juiz da Justiça Estadual, que é, em média, de dois anos, oito meses e quatro dias, mostra que há muita coisa para melhorar”.  

Essa quantidade de processos judiciais encontra diversas razões, algumas positivas, como o pleno acesso ao Judiciário que é amparado pela Constituição Federal, a confiança dos brasileiros na instituição, que nos últimos tempos tem agido em prol do equilíbrio entre os Três Poderes, e outras negativas, como a ineficiência diante da demanda, que fica clara na demora na composição das lides, e, também, na cultura nacional da necessidade de que o Judiciário seja sempre acionado para resolver questões que certamente poderiam ser solucionadas ou administrativamente, ou por outros métodos adequados de solução de conflitos. 

Enquanto esse cenário é revelado, está em andamento o PL 3293/21, de iniciativa da deputada federal Margarete Coelho (PP-PI), cujo objetivo é introduzir alterações na Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996). As alterações propostas, contudo, não visam aprimorar a Lei de Arbitragem que já conta hoje com mais de 25 anos de vigência, muito pelo contrário, visam colocar óbices ao pleno desenvolvimento do processo arbitral, tão necessário ao ambiente de negócios brasileiro, que não pode e não deve depender de um Judiciário que conta 80 milhões de processo em andamento. 

As propostas de alteração constantes do PL 3293/21 não são necessárias, não se podendo reconhecer sequer no que elas contribuem para o desenvolvimento da arbitragem no Brasil. Aliás, como consta da Nota Técnica do CIArb Brasil sobre o PL 3293/21: “O crescimento deste método de solução de disputas é tal que, em 2016, o Brasil tornou-se o terceiro país do mundo com mais partes envolvidas em procedimentos arbitrais na câmara arbitral da CCI (Câmara de Comércio Internacional).  

O que não é considerado no PL 3293/21 é que a arbitragem está fundada, tem como pilar central, a autonomia da vontade, como deixa claro o ministro Luis Felipe Salomão: “A arbitragem surge no cenário das disputas como verdadeiro desdobramento da vontade de contratar. Exemplo simbólico do que se afirma acontecer na França, na Constituição do Ano I, instituída a República, como decorrência da Revolução Francesa, o uso da arbitragem foi assegurado aos cidadãos, dentro do mesmo mosaico em que a eles foram assegurados os conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade. Não sem surpresa, com a ascensão de Napoleão e sua codificação, o direito à arbitragem foi suprimido pela nova legislação” .  

Com as pretendidas alterações da Lei de Arbitragem, está se agindo como “Napoleão e sua codificação”, ou seja, limitando-se a autonomia privada, pois a arbitragem é genuína expressão da liberdade individual, estampada no caput do artigo 5º, da Constituição Federal. Ademais, o exercício da liberdade individual no procedimento arbitral é exercido mediante o consenso das partes, que conferem poder jurisdicional aos árbitros e juntas estabelecem os parâmetros da cognição do tribunal arbitral, pois “com efeito, o poder de julgar do árbitro decorre da lei (plano abstrato) e da autonomia privada das partes (plano concreto). Isso significa, em outras palavras, que o poder de julgar atribuído aos árbitros encontra-se enquadrado na moldura estabelecida pelas partes no exercício de suas autonomias privadas legalmente exercidas”.  

A proposta de alteração do artigo 14, da Lei de Arbitragem, com a introdução de parágrafo prevendo que o árbitro deve relatar a quantidade de arbitragens em que atua, seja como árbitro único, coárbitro ou presidente, e qualquer fato que denote “dúvida mínima“ quanto à sua imparcialidade e independência, constante do PL 3293/21 está descolada da realidade, vez que as partes, quando indicam os árbitros, já os submetem a um rígido controle de sua independência, exercido pelas próprias partes que optaram pelo procedimento arbitral, como também pelas própria câmaras arbitrais. Aliás, ações de nulidade de sentenças arbitrais raramente estão fundadas na ausência de independência ou na imparcialidade dos árbitros. 

 A pretensão de impor limites, por meio de lei, às funções de árbitro, determinando que “o árbitro não poderá atuar, concomitantemente, em mais de dez arbitragens, seja como árbitro único, coárbitro ou como presidente de tribunal arbitral”, complementada pela vedação de que “não poderá haver identidade absoluta ou parcial dos membros de dois tribunais arbitrais em funcionamento, independentemente da função por eles desempenhada”, como exposta na proposta de introdução dos parágrafo 8º e 9º, no artigo 13, da Lei de Arbitragem, fere de morte a autonomia da vontade que rege o procedimento arbitral, haja vista que são as partes que mediante consenso indicam os árbitros, estabelecendo-se evidente relação de confiança, alimentada, inclusive pelo conhecimento especializado da matéria que em geral é titulado pelo árbitro.  

A limitação do número de arbitragens retira indevidamente das partes o direito de indicarem os árbitros em que confiam, posto que se ele estiver atuando em mais de dez procedimentos arbitrais, não poderá assumir qualquer outro, ainda que tenha sido indicado livremente pelas partes. Não deve ser esquecido, ainda, que não cabe à Lei limitar ou cercear a atuação de qualquer profissional, o que torna o PL 3293/21 inconstitucional desde o seu nascimento.  

Merece, ainda, destaque a inserção de artifícios, alguns mais explícitos, outros nem tanto, com o intuito de excluir a característica da confidencialidade, total ou parcialmente, dos procedimentos arbitrais. O que não se leva em conta no PL 3293/21 é que a confidencialidade é vantagem reconhecida internacionalmente no âmbito do processo arbitral, posto que preserva o direito das partes de que terceiros não interfiram indevidamente no processo e, consequentemente, não utilizem formas de procrastinação ou de pressão sobre os árbitros.  

Estes são apenas alguns aspectos do PL 3293/21 que não devem subsistir, muito embora ainda existam outros que também não se sustentam. Na verdade, é projeto totalmente desamparado de fundamento técnico que não deve ser agasalhado pelo Legislativo, pois como bem adverte o CIAarb em sua Nota Técnica já antes citada “o erro central cometido pelo Projeto de Lei 3293/2021 é supor que o legislador é capaz de tutelar os interesses empresariais melhor do que as próprias empresas ou empresários”

Ana Paula Oriola De Raeffray – Diretora da Escola CAMES de Mediação e Arbitragem. Advogada, árbitra, mestre e doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora dos cursos de pós-graduação da PUC-SP
Carlos Alberto Vilela Sampaio – CEO da CAMES. Advogado, árbitro, mestre e doutor em Direito pela Faculdade de Direito da USP

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